sábado, 25 de abril de 2015

Ao Cubo

Uma vertigem repentina me golpeou, enquanto andava no centro da cidade. Perdi a noção de tudo que estava ao redor, tentei me preparar para a queda e sofrer, possívelmente, o mínimo dos estragos. Mas a queda me pareceu interminável, caí um por longo e indeterminado tempo, enquanto um brisa fria tomava conta de mim. E, então, o baque no chão duro fez com que eu desmaiasse.

Quando tornei a abrir os olhos, o sol batia no meu rosto e eu sentia um cheiro forte de grama verde. Levantei com dificuldade e me encontrei no topo de uma colina verdejante, da onde avistei uma pequena cidade, não muito distante da colina em que me encontrava. Decidi seguir até aquele local, na esperança de obter alguma informação.
Ao dar meu primeiro passo, percebi que estava descalço e podia sentir a grama macia sob meus pés. Caminhei mais ou menos por uns quinze minutos até alcançar o pórtico da cidade. Antes de adentra-lá, uma voz que veio do alto me disse:
-Ao entrar neste local você não deve olhar para trás, tampouco deve entrar no que essas pessoas chamam de casa.
-Quem é? Onde você está?
-Faça conforme eu te disse.

A primeira coisa que notei na cidade foi como as casas eram construídas, lembravam mais uma jaula do que qualquer outra coisa, possuíam quatro colunas verticais que eram interligadas com o que pareciam ser arame, o telhado era feito da mesma forma, as casas formavam um cubo e tinham apenas uma porta, muita estreita. A única mobília dentro delas era um outro cubo, revestido por inteiro de uma capa preta e que, pelo seu tamanho, não podia passar pela única porta das casas ou pelas frestas dos arames. Cada casa possuía apenas um morador. Pouquíssimas estavam vazias, e as que não possuíam inquilino tinham dentro delas apenas o cubo preto…

Toda a cidade era cercada por um jardim, tão belo que eu não saberia descrever, havia um rio que cortava toda a cidade, mas que de alguma forma não passava próxima a nenhuma dessas casas. Segui meu caminho e no primeiro lote de casas, observei que as pessoas tinham o mesmo comportamento, estavam sentadas sobre este cubo e pareciam felizes, muito felizes, todas elas possuíam uma venda nos olhos e elas não sabiam que eu estava ali e nem do jardim que as cercavam. Tentei contato, me aproximando das grades e chamando-as, mas o prazer de estar onde estavam tornaram-nas surdas a minha voz, não tive sucesso e segui em frente

No segundo lote, as pessoas não possuíam mais as vendas nos olhos, mas tinham algo nas suas orelhas semelhante a um tampão, e falavam alto e xingavam. Tentavam passar leva pequena porta, mas não queriam deixar o cubo, faziam de tudo para alargar a porta, lançavam o cubo contra ela, socavam, empurravam e nada acontecia. Tomado por uma aflição ao ver esta cena se repetir ao longo das casas, me aproximei de uma mulher com cabelos desgrenhados que estava com metade do corpo fora da casa e a outra metade, dentro, puxando o cubo - Deixe o cubo para trás e saia, você não vai conseguir tirar isso daí… não ta vendo? -  ela agarrou minha mão, sem nada responder, e começou a me puxar para dentro daquela jaula sorrindo frenéticamente. Enquanto eu tentava me livrar de suas garras, um pavor se apossou de mim, eu podia sentir o terror que era para aquela mulher sair e deixar o cubo para trás, com um movimento brusco me soltei e a empurrei para dentro da jaula. Segui em frente mais uma vez.

O terceiro lote de casas me lembrava muito o primeiro, a diferença era que as pessoas não estavam sorrindo, a maioria sustentava no rosto uma grande tristeza e um olhar vazio sem esperança. Devido minha experiência no segundo lote, contentei-me em apenas passar pelos cubos a distância, sem buscar contato com nenhum dos moradores. Toda esta caminhada pela cidade me causou uma estranheza e um profundo incômodo, aquelas pessoas estavam cercadas por uma beleza rara, mas optavam por permanecer dentro daquilo que chamavam de casa, não pela casa em si… O que eram aqueles cubos? Eu estava quase fora daquela cidade, quando o sol brilhou forte e cada vez mais forte e ouvi mais uma vez aquela voz - Entendeu o que quis te mostrar? - E antes que respondesse me vi em pé no centro da cidade. Sorri e segui em frente.

domingo, 19 de abril de 2015

Quarto 60B

Você acredita em fantasmas?
O dono do hotel me fez essa pergunta na recepção, logo após me dar as chaves do quarto, eu olhei para ele com uma cara de surpreso, simplesmente não sabia o que responder.  Isso é, até agora.
Eu não sei de onde ela surgiu. Ao sair do banho, me deparei com uma mulher de vestido branco e longos cabelos negros sentada na lateral da minha cama. Caminhei lentamente em direção a ela, até que eu ficasse de frente. Ela estava imóvel, seu rosto estava desfigurado, cheio de feridas, seus olhos negros estavam fixos no nada, como se pudessem enxergar através de mim, mantive certa distancia dela.
- Oi? Quem é você? Como entrou aqui?
- Isso não é importante Jhonny, já se esqueceu de mim?
A voz dela era sussurrante e me causou calafrios, afinal, quem diabos é essa mulher? Como ela entrou no meu quarto?
- Vou chamar o gerente.
Foi então que eu tive a segunda surpresa da noite, a porta simplesmente não abria, a chave não girava e a maçaneta estava fixa.
- Não vai funcionar Jhonny.
A voz continuava sussurrante, quando olhei para trás assustado, ela não estava mais lá. Foi então que bati forte na porta e gritei se havia alguém no corredor.
- Ninguém vai ter escutar Jhonny.
Ela surgiu do meu lado, e olhou tão profundamente dentro dos meus olhos, que foi como estar lendo minha alma, minha espinha congelou, o terror e o pânico tomou conta de todo o meu ser, foi o mais terrível dos calafrios que eu já senti.
- Por que a matou, Jhonny?
Então eu a reconheci.
- Ou melhor, por que me matou Jhonny?
- Helena...
- Qual sentido em tirar minha vida Jhonny?
Sua voz continuava sussurrante, enquanto a minha se recusava a sair, era como se um bolo estivesse preso na minha garganta, uma vontade insana de gritar e não poder, era como estar preso em um pesadelo, implorando para acordar a qualquer momento.
 - Minha morte te fez feliz Jhonny?
Eu corri em direção a janela desesperado, mas ela também estava trancada, e ao olhar para trás, Helena já havia desaparecido de novo.
- Jhonny...Jhonny...Jhonny... Do que tem medo Jhonny?
- DE NADA!!!!
- É feio mentir Jhonny.
Eu já não tinha mais pernas e meu coração bombeava medo nas minhas veias, era o pior sentimento que eu já tive em toda minha vida.
- Até quando vai fazer isso comigo???
- Para sempre, Jhonny. Você vai conviver com esse sentimento para toda a eternidade.
Então cai de joelhos e comecei a chorar.
- Me perdoe... eu imploro...
- Jhonny... não quero sua humilhação, quero seu sofrimento.
Ela surge na minha frente de novo, eu me levanto o mais rápido que consigo e vou em direção a minha mala, puxo a minha 38 e disparo cinco vezes nela. O vestido outrora branco, se transforma em vermelho sangue, mas Helena não cai, ela continua imóvel, e com sorriso de satisfação no rosto.
- O mesmo Jhonny, a mesma 38, os mesmos cinco disparos. Diga-me Jhonny, o que vai fazer com a última bala dessa vez? Vai tomar a decisão correta?
Eu olho para a arma e olho para Helena, que vem caminhando lentamente em minha direção, dou uma olhada para janela e vejo dois policiais do lado de fora parados, impossível de não terem escutado os disparos. Volto o olhar para frente e Helena já está face a face comigo, ela firma a minha mão tremula e guia a arma até minha cabeça, se aproxima um pouco mais e sussurra no meu ouvido.
- Puxe.
Então a vida de Jhonny chega ao fim com um disparo. Helena se abaixa, da um beijo em Jhonny e sussurra novamente em seu ouvido.
Jhonny...Jhonny...achou que se livraria de mim com tanta facilidade? Você não vai morrer, vai viver para sempre comigo nesse quarto, ninguém vai te escutar gritar, ninguém virá te socorrer, seremos apenas eu e você, felizes para sempre, agora acorde dorminhoco, eu quero brincar.

Os olhos de Jhonny se abrem, e é possível ver o terror passando por eles...

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Direito/Letras? Química/Psicologia?

Quando crianças, perguntam-nos o que gostaríamos de ser quando crescer, e as respostas dadas são algo parecido com: “princesa”, “astronauta”, “super-homem”, etc. Talvez dizer que tenho saudade pode parecer estranho, mas é a pura verdade.
Quando saímos do mundo até confortável que é o meio escolar, há certa pressão. Decidir para qual faculdade ir torna-se uma missão impossível que consome seus dias, quando você não tem uma convicção do curso que pretende seguir – expectativas familiares são as piores. Ninguém ao seu lado te ajuda, inclusive. Uns dizem que é melhor você seguir uma área concorrida e passar, para que tenha conforto no futuro; outros já dizem que é melhor fazer algo que você goste, e as conseqüências serão boas. Por que tanta opinião de outros em decidir algo que é para ser definitivo no resto de nossas vidas?
Mas, apontando o principal, o que mais preocupa é o dinheiro. Aquela moeda de troca chata que possibilita que o mundo ande.  
Ao mesmo tempo, você se preocupa com o possível mercado de trabalho da qual fará parte, enquanto tenta decidir onde irá focar seus estudos. “Seu objetivo tem de ser ganhar dinheiro.” “Mas o salário é tão baixo!” “Primeiro profissão séria, depois hobby. Estabilidade financeira é mais importante.”
Quanto mais eu observo, mais vejo o quão perturbadas as pessoas ficam com seus trabalhos, com sua forma de obter o pão na mesa no final do dia. Por que dar seu melhor desempenho em uma profissão de que não gosta? Por que se especializar em algo que não te dá prazer algum de fazer parte? Se há chance de escolher um curso que é compatível a você, faça. Não desista do que você gosta. Há tantos que trabalham de maneira exaustiva em lugares que não gostam por causa do bendito dinheiro. Se for o melhor no que faz, não terá de se preocupar.

Escolhe um trabalho de que gostes, e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida.” – Confúncio.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

SEM TIR-TE E NEM GUAR-TE

         Foi como se meus pulmões tivessem se enchido de ar pela primeira vez. Pense de novo. Não foi mágico, foi doloroso. Para um recém nascido, a primeira respiração é uma experiência traumática. O pulmão recebe um choque, a carga de adrenalina no corpo é intensa, os músculos cardíacos entram em espamo e o bebê respira pela primeira vez.
A liberdade de um pós-relacionamento é dolorida. Começa com a estranheza da falta da companhia,  há um excesso de tempo que incomoda, uma crescente ociosidade, ausência do toque de telefone. Você começa desesperadamente a buscar pelos seus amigos e pelo o que fazer. Você se agarra a filmes, assiste três ou quatro no mesmo dia, numa tentativa de passar o tempo e amenizar a solidão, mas só se sente mais sozinho.
Um dia, inesperadamente, tudo está diferente. Seu tempo ocioso se tornou produtivo. Você se envolve em projetos paralelos ao que faz para sobreviver, assiste filmes, em menor quantidade,  sem a sensação do vazio, encontra novos amigos e os junta aos antigos. O sol não é mais um problema, é uma solução para um dia na praia, dias nublados não são depressivos, mas perfeitos para leitura. Há vida em você.
Num desses dias em que existe vida e o sol não é um problema, ela passa por você, sem nenhum sobreaviso. Ela. E o perfume dela toma conta da calçada, impregna todo seu ser, e tudo o que você pode fazer, por um breve momento, é orbitar em volta dela. Quando isso ocorre, você sabe: você está perdido.
Sentir o perfume dela é como respirar pela primeira vez.