sábado, 25 de outubro de 2014

Verde Folha

                 Foi recebido por uma forte chuva, logo que desembarcou. Aproveitou para olhar ao redor, enquanto esperava que abrissem o bagageiro para pegar sua mala. A rodoviária estava vazia, cheirava a terra molhada, diferente do usual cheiro de mijo e cerveja pisada. Além dele, três passageiros esperavam por suas malas: uma senhora de cabelos brancos e curtos, que usava um vestido roxo com flores azuis, um homem que aparentava quarenta anos, vestindo um terno cinza e falava ao telefone caminhando nervosamente de um lado para o outro, e um adolescente com sua mochila a tira colo, que bebia um refrigerante.
Uma trovoada o trouxe de volta e foi ai que percebeu que o motorista o encarava, enquanto tentava entregar-lhe a mala.
A cidade não havia mudado, parecia ter parado no tempo. Os cinco anos que passou fora não modificaram a mais simples das paisagens. O mesmo cheiro de maresia pairava no ar, as mesmas ruas formadas por paralelepípedos, as mesmas casas, poucos carros cruzavam as ruas e, com a chuva, um número muito pequeno de pessoas estava a vista. Alguns rostos conhecidos o encaravam e reprovavam, quando acenou levemente ao dono da padaria, não recebeu de volta a cortesia oferecida. Caminhava lentamente, debaixo de uma tempestade, tentando de todas as formas evitar um confronto com suas piores lembranças. Ao avistar sua casa diminuiu ainda mais o ritmo de seus passos. Quando finalmente parou em frente ao portão, colocou a mala no chão, enfiou as mãos nos seus bolsos procurando por suas chaves. Só depois de ter vasculhado todos os bolsos lembrou que as chaves estavam com seus vizinhos, que ficaram responsáveis, de vez por outra, checar se estava tudo bem com a casa.
Ficou parado ali, encarando o portão, seu coração batia mais rápido, sentia todo seu corpo tremer. Levantou  a mão em busca da tremura, não havia nenhuma. Permaneceu imóvel por um longo período. Só voltou a si ao som de outro relâmpago. Quando, finalmente, entrou em casa ouviu o velho relógio de parede, que ficava na sala, tocar uma badalada. Sua garganta secou, um calafrio traspassou-lhe a espinha. Olhou para o relógio que estava completamente empoeirado, os ponteiros apontavam marcando uma hora… o relógio estava sem corda. Conferiu a hora no relógio de pulso, era exatamente uma da tarde. Resolveu não dar atenção ao fato, ele tinha coisas piores pela frente…
A casa cheirava a mofo, estava suja e com os móveis cobertos por lençóis. As duas primeiras impressões deixaram bem claro que seus vizinhos não haviam feito um bom trabalho. Percorreu cada cômodo com um cuidado excessivo, como se fosse ser surpreendido por alguma coisa terrível ao dar o próximo passo. Por último entrou no seu antigo quarto, as manchas de sangue não estavam mais lá, para seu alívio e, ao mesmo tempo, para uma estranha sensação de desapontamento.
Pensou ter escutado o Tic-Tac do relógio de parede, desceu as escadas correndo para verificar e encontrar os ponteiros parados na mesmo posição de quando entrou em casa. O som do relógio parou, obviamente sua cabeça estava brincando com ele. Um raio caiu em algum lugar bem próximo e o barulho causado assustou-o de tal forma que num pulo e num piscar de olhos ele estava encarando a direção oposta do relógio.
Queria desesperadamente abrir as janelas, estava ficando atacado da alergia por causa do cheiro do mofo, espirrava seguidamente e uma coriza começava a incomoda-lo. A chuva tinha piorado e  agora o vento soprava forte, se abrisse as janelas, em minutos, a casa ficaria ensopada, e, com toda a sujeira, enlameada. 
Foi até ao seu velho escritório, sentou-se na cadeira da mesa do computador, e tentou de todas as formas reconstituir a noite do assassinato, apesar de todo esforço não foi capaz. Em cinco anos nunca foi capaz de trazer à memória nada além do olhar de sua noiva e os sons dos disparos, jamais entendeu como o assassino entrou em sua casa. Aqueles olhos que sempre foram tão expressivos, de uma rara cor, verde folha, sempre vinham à tona em sua cabeça, com o horror gravados neles. Nada o deixava mais amargo que a lembrança do olhar aterrorizado da sua doce Giovanna, isso, e a sensação de impotência de não ter evitado a morte dela.
Novamente foi assombrado pelo tic-tac, mas quando apurou o ouvido não foi capaz de escutar nada além do som da chuva, que havia diminuído significativamente. Encontrou dentro de uma gaveta uma antiga foto dos dois no canal, na imagem passeavam felizes. Mergulhou na lembrança daquele dia e perdeu a noção do tempo, quando deu por si foi ao som das badalas do relógio. Foi tomado por um terror, não conseguia se mexer, suas mãos suavam frio e apertavam com firmeza os braços da cadeira, contou seis toques. E a cada badalada sentia seu coração pular uma batida. Permaneceu estático mesmo quando o som do relógio sumiu. No momento que juntou coragem e força suficiente para se colocar de pé a casa estava completamente escura. Desceu as escadas tateando nas trevas, com as pernas tremendo, cada passo lhe era custoso. Era preciso uma força sobre-humana para fazer com que seus pés seguissem um após o outro. Na sala acendeu o primeiro interruptor que encontrou. O relógio parecia intocado, não fosse por  seus ponteiros, que, agora, estavam em posições diferentes, marcando seis horas.
Sentia um gosto amargo em sua boca, uma forte ânsia de vômito, estava atordoado. Ao mesmo tempo que sentia um medo incontrolável, um forte ódio se apossou dele e num ímpeto de fúria arrancou o relógio da parede e quando estava prestes a arremessa-lo no chão, ouviu riso da sua noiva, o mesmo de quando instalara o relógio na parede e dera corda pela primeira vez. Parou o movimento bruscamente. Devolveu o relógio a parede, a tontura piorou e também sua ânsia de vômito. Sua cabeça doía e, não podendo evitar, vomitou no chão da sala. 
Ele sabia que o retorno ao local do crime seria difícil, mas não era capaz de acreditar que tomaria essa proporção. Não aguentando a pressão que sentia na cabeça, por causa da dor, resolveu  deitar. O tic-tac voltou a persegui-lo enquanto caminhava para seu quarto. O som acompanhava seu caminhar, pé esquerdo, tic, pé direito tac. Tic…Tac…Tic…Tac… Finalmente alcançou sua cama, em cima dela estava o vestido preferido de Giovanna. Não era capaz de lembrar se isso estava ali quando visitou o quarto pela primeira vez, o som do relógio estava mais forte, sua cabeça latejava, a tontura piorou, seus olhos marejavam… Caiu e bateu a cabeça forte no chão.
Teve um pesadelo terrível, uma discussão entre e ele sua noiva, gritos e pedidos de socorro se misturavam no sonho, o olhar aterrorizado, o doce aroma do perfume que ela usava… Acordou assustado ao som de uma trovoada, que de tão alta parecia ter sido dentro de casa. Chovia forte novamente. Sua cabeça ainda doía, o gosto amargo ainda estava em sua boca, o som do relógio ainda estava lá, tic…tac…tic…tac…tic..tac. . .Tic… Tac… TIc… TAc… TIC.  .  .  TAC.  .  . Levantou-se e instintivamente abriu a última gaveta da cômoda, dentro havia uma pistola, TIC-TAC…TIC-TAC…TIC-TAC…TIC-TAC…

A chuva apertou, Giovanna estava acuada na cama gritando uma série de coisas, mas ele não ouvia. Olhou para ela  e havia uma mistura de raiva e medo em seu rosto. Com uma frieza incomum pegou a arma de fogo e apontou para ela. TIC-TAC…TIC-TAC…TIC-TAC… o som do relógio era ensurdecedor e não o deixava ouvir os gritos de desespero de sua amada. DOM, badalou o relógio ao som do primeiro disparo, DOM, outro disparo, DOM, e os olhos horrorizados o encaravam enquanto ele puxava o gatilho, DOM, o terror no olhar era crescente, DOM o horror no olhar se misturava a um pedido de misericórdia, mas nada era capaz de faze-lo parar os disparos, DOM… DOM.  .  . DOM.   .   . DOM.   .   . DOM.  .   .      DOM.   .      . DOM      …

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A complexidade de uma morte tranquila

E cá estou eu, viajando mais uma vez na minha varanda, nessa noite quente de verão, esperando que algum vento milagroso encontre essas belas árvores em meu quintal e me presenteie com uma maravilhosa brisa, será que é pedir muito? Nunca sei qual seria o limite, o que é pedir demais? uma morte tranquila talvez, mas que diabos seria uma morte tranquila? Procuro em meus bolsos o cigarro que meu vizinho me dera hoje a tarde, se minha filha souber disso, ela vai me matar antes do próprio cigarro, mas eu prefiro uma morte parcelada em suaves prestações de tabaco, que ouvir os sermões sem parcelamento algum, isso me mata, a pior coisa que existe são pagamentos a vista.
Afinal, é tão difícil ter uma morte tranquila? Eu poderia dormir e não acordar mais, só que eu fico na dúvida, se eu morrer dormindo, eu ficaria preso nesse sonho por toda a eternidade? E se o sonho for ruim? Em contra partida, pode ser que o sonho seja bom, são 50% de chances, mas como a sorte não costuma ser minha fiel amiga, é capaz dela me deixar na merda até na minha morte, o melhor mesmo é cair de um avião, imagine só, toda essa emoção, não é uma morte tranquila eu sei, mas pensando bem, acho que a adrenalina seja o melhor sentimento a se sentir antes de morrer, mas então encontro outro problema, eu poderia enfartar com a queda, o que deixaria muito frustrado,  seria normal e sem graça, não valeria a pena derrubar um avião se não puder curtir a minha morte, seria melhor eu me jogar de uma ponte ou na frente de um caminhão, porém seria algo bem deprimente, uma pessoa positiva como eu sou, que sempre pensa coisas boas, não iria combinar com um suicídio, fora que eu teria que escrever uma carta de despedida, esquece, muito trabalhoso e emotivo demais. Então do nada, enquanto eu apreciava meu delicioso cigarro e pensava na vida, meu celular vibrou, o que eu achei bem estranho, quem manda mensagem para um homem de 60 anos quase meia noite? A mensagem me causou calafrios, era a pior coisa que eu poderia ler naquela noite, “apague esse cigarro e vamos conversar pai” sim, esqueci que o quarto dela ficava em cima da varanda, enrolei tanto com minhas suaves prestações de tabaco que agora terei que ouvir sermões a vista, essa síndrome de Casas Bahia não me deixa.

Primeira Premonição

Coruja Premonitiva nasceu dos nossos devaneios noturnos, delírios futuristas, passados mal resolvidos. Ou dos nossos passados futuristas, delírios noturnos e devaneios mal resolvidos. Ou, ainda, dos nossos delírios mal resolvidos, devaneios do passado e futuros noturnos... bem, você entendeu.

  Rodrigo Bloise: Larguei o Direito pra ser feliz. Publicitário, fotógrafo, insone, carioca e Flamenguista. Numa constante batalha com as formigas que insistem em destruir meu jardim.

  Rodrigo Souza: – Estudante de Publicidade, gamer e cinéfilo, larguei a faculdade de informática e meus pais quase me mataram, maníaco por quadrinhos, pensa que é o Batman e acha que a vida não é tão complexa desse jeito, basta reunir as sete esferas do dragão.

  Ramon Pessanha: Aficionado por bússolas que deveriam nortear a minha vida. Bom, todas até hoje continham defeitos em seus magnetos.