segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

5 minutos



Como sempre, acordei na praia. Cinco minutos são o suficiente para a tontura passar, é o tempo para o cérebro ficar em ordem novamente. Não posso me dar o luxo de descansar mais do que isso, olho em volta e vejo a minha mochila, tudo que eu preciso está ali. Corro para pegar o ônibus das oito se não tudo estará perdido por hoje, o dia nunca pode ser desperdiçado, ele é minha dádiva divina e é a razão da minha existência.

O trajeto é longo e leva cerca de quatro horas, é tempo o suficiente para dormir um pouco e relaxar, mas o problema é que eu não consigo, não posso perder a minha parada. Uma tempestade está no meu aguardo quando desembarco, a chuva de granizo me machuca, mas não me impede, preciso fazer uma caminhada de uma hora até a estação de trem.

Chego a estação cansado e dolorido, mas a tempo. A viagem de trem é mais rápida, dura cerca de trinta minutos, agora são três horas de caminhada. Se por um lado não tem mais chuva de granizo, por outro tem um sol escaldante. A vantagem é que as minhas roupas secam nesse tempo, afinal, são três horinhas caminhando no meio da selva de concreto. Até que gostaria de pegar um ônibus, táxi, uber, ou o que fosse, mas esse acidente envolvendo três ônibus, duas motos e cinco carros vão engarrafar a avenida por cinco horas, e eu não tenho esse tempo sobrando.

A caminhada me leva à próxima etapa da minha jornada, dessa vez uma mais fácil, apenas mais um ônibus, apenas mais uma hora e estarei em meu destino final.

Quando chego ao local o dia está perfeito, o sol já está se pondo e dando ao céu belíssimos tons de laranja. Ando mais um pouco e então a vejo, sentada no banco da praça e tomando o seu suco favorito, a dor no peito é maior do que tudo.

Criei a máquina do tempo, só que ela me deixou preso aqui para sempre, me fazendo voltar para a praia toda vez que dá a hora certa. Demorei muito para conseguir esse padrão, para descobrir onde ela estaria no dia de hoje e a essa hora, mas finalmente consegui, e agora posso vê-la viva de novo, nem que seja por apenas 5 minutos.

Eu voltei por ela e eu sempre voltarei por ela, são os melhores 5 minutos que eu poderia ter.


E como sempre, acordei na praia...

domingo, 15 de janeiro de 2017

Medo


“- Qual o seu maior medo?”

Marrie se deparou com essa pergunta durante uma conversa com seus amigos. Ela não sabia o que responder, então decidiu pegar outra cerveja.

- Talvez o álcool me ajude a responder essa.

Enquanto ela caminhava para o bar, uma voz surgiu sussurrante em seus ouvidos.

-Sim... Ele vai te ajudar.

A voz era áspera e desconfortável, do tipo bastante desagradável. Marrie olhou a sua volta, mas não conseguiu localizar a origem. Aquelas palavras ficaram em sua cabeça durante boa parte da noite, na hora de ir embora elas não passavam de uma vaga lembrança. Marrie recusou a carona e decidiu levar o carro sozinha, segundo ela, foram apenas 5 latinhas, ela estava perfeitamente bem.

“Trânsito é uma coisa muito séria, não pode haver distrações, eu nunca gostei de rádios em carros, eles só atrapalham” A mãe de Marrie repetia essa frase ao menos umas três vezes durante as reuniões de família. E ela estava absolutamente certa. Pelo menos dessa vez. Ao ligar o rádio com o carro ainda no estacionamento, ele começou a chiar bastante, até que a mesma voz do bar surgiu.

- Marrie... Qual o seu maior medo?

Nervosa, ela desligou o rádio na mesma hora. Não perdeu tempo e saiu logo daquele lugar de uma maneira pouco prudente. Entretanto, a direção álcoolizada de Marrie não durou muito tempo. Foi uma fração de segundos, a distração mínima, e Marrie não prestou atenção no carro desgovernado que vinha em sua direção. Ao tentar desviar ela bateu de frente com um caminhão que vinha na pista ao lado. O carro de Marrie capotou cinco vezes.  Ela só foi acordar no hospital 3 dias depois.

E mesmo depois de quase um mês internada, a voz do rádio não saia de sua cabeça, muito menos a voz no bar.

Durante sua última noite no hospital, Marrie foi acordada por uma voz bastante familiar.

- Acorde... Precisamos conversar.

Não existe sensação na terra que descreva o que ela sentiu naquele momento, o pânico a dominava por completo, ela escondeu a cabeça dentro do cobertor e ficou rezando para a “coisa” ir embora de uma vez. Não deu certo, e ele voltou a falar.

- Fizeram uma pergunta para você naquela noite e eu fiquei curioso pela resposta.

-Qu a a a, qual perr per gunta...??

A voz de Marrie era baixa e quase inaudível, mas a criatura a entendia muito bem.

- Qual o seu maior medo?

Nenhum som.

-Mo mo mo mo...rrerr

A criatura também ficou em silêncio por um tempo.

- E foi preciso quase morrer para descobrir?  Estávamos certos, o álcool ajudou.


Essa é uma pergunta realmente injusta. O medo pode se manifestar das mais diferentes formas durante a vida. Você pode até dizer que não tem medo de morrer, mas ao se deparar com uma situação de perigo, o medo de perder a vida e deixar tudo para trás vem à tona. Naquele momento ele se torna o maior medo da sua vida. Mesmo que você tenha outro.