sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Relativismo do dia-a-dia

A uns conhecidos meus, cujos nomes não serão citados, estava pensando em vocês.

Em um mundo onde o dinheiro vale mais, os princípios valem menos e 'caráter' parece ter saído de moda, achar uma pessoa honesta tem sido mais difícil do que a tarefa de encontrar uma agulha no palheiro. Ou, até mesmo, uma palha no agulheiro.
A segunda deve ser muito dolorosa, consequentemente mais verídica.
Esther, uma doce jovem que tivera uma vida particularmente estável, parecia estar vivendo aquilo a todo o momento.
Uma mentira ali, uma confusão aqui; coisas aparentemente inofensivas que não faziam mal a ninguém. O que dois reais a mais no troco do supermercado pode causar?
Era culpa de sua irmã e dos dois reais que havia fome no mundo? Pegar uma bala do balcão sem pagar não mata ninguém! Muito menos falar que vai a um lugar e ir a outro.
Muito menos mentir idade. Ninguém ia ser prejudicado caso seu amigo de 17 dissesse ter 21 anos. — Desconsiderando quem quer que estivesse na portaria ou no balcão e precisasse ver uma identidade... Mas demissão por um errinho desses? Quão dramático!
Ou só uma cerveja antes de pegar o carro, não vai bater em um poste por causa de uma simples latinha, seu pai não estava bêbado, oras! Certamente o policial não estará ferindo ninguém aceitando meros 50 reais para deixá-lo ir livre caso for parado por alguma transgressão. Desviar um dinheiro ou dois de uma construção municipal não vai destruir a verba da cidade.
É tudo questão de ponto de vista!
"Nossa, que exagero!" Jessica falara para Esther quando ela expressara sua opinião. "Tem muita diferença entre roubar um banco e ter um Windows pirata."
"A única diferença é a famosa 'nada a ver'." A moça retorquiu. "É um roubo de qualquer forma, o problema é que só um é condenado. É a mesma coisa que cigarro e crack. Os dois são um tipo de droga com suas conseqüências de uso, mas apenas um é ilegal ser comercializado."
E toda vez ela era desconversada. Falta de argumentos.
É tão fácil relevar certas ações quando são benéficas à sua própria pessoa. Parece que o significado da palavra "Hipocrisia" não está no dicionário de muita gente. Talvez, até a própria palavra não esteja.
"E se te roubassem uma bala todo dia, na venda do seu pai?"
"A bala custa 10 centavos, Esther." Jessica dissera novamente em deboche.
"Agora multiplique por sete."
"0,70."
"Agora por 52 semanas dá 180 reais perdidos ao ano, o que pagaria um vestido que você poderia comprar para alguma ocasião, ou sapatos, ou comida por duas semanas para uma família de classe baixa até. Agora imagine se fossem duas crianças, roubando duas balas cada. Isso dá 728 reais. O preço do seu celular. Mas não é nada demais, não é?"
"Como assim nada demais! Olha quanto meu pai ia perder..."
"Agora que você está do outro lado da história, continua sendo míseros 10 centavos?"
E a mulher foi recebida com um silêncio, sorrindo em triunfo.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

MOFO DA VIDA


O cheiro de mofo havia tomado o seu velho apartamento, a poeira cobria não só o chão, como, também, os móveis. Os livros, que não pôde levar para nova casa, estavam ainda empilhados em cima da mesa da sala, também cobertos de poeira e amarelados pelo tempo, os que estavam no topo tinham suas capas desbotadas. Tudo isso Olavo observou da porta, sem nem ao menos colocar um pé dentro de seu antigo logradouro de solteiro.
Quando finalmente entrou, empurrou a porta com todo cuidado para que ela não rangesse ao ser fechada e assim não chamasse a atenção de Dona Clementina, a vizinha do apartamento ao lado. Se ela ainda fosse sua vizinha, ele sabia que, como de costume, ela tentaria xeretar sobre sua vida. Apoiou sua bolsa perto da porta e percorreu vagarosamente todo apartamento, não sabendo diferenciar se estava acordado ou em um sonho, seus passos deixavam pegadas na poeira que cobria o chão. Parou na cozinha tomou um longo copo d’água e retornou para sala.
A primeira coisa que avistou em sua estante foi o retrato antigo dele e da sua mulher, tão desbotado que não dava mais para ver o sorriso do casal na foto. Sorriu, um leve sorriso irônico, quando pensou que uma foto velha podia ter muita razão … Apoiou o retrato no mesmo lugar, não queria alterar qualquer coisa no cenário do seu velho apartamento, além das pegadas deixadas. Não queria sair daquele transe.
Passou o dedo em cima de alguns livros que estavam na mesa, e percebeu que a maioria dos livros deixados para trás foram adquiridos na época da faculdade. Amanda detestava a profissão que ele havia escolhido e obrigou-o a deixar os livros… Não só os livros, ele abdicou de diversos sonhos, projetos, até mesmo alguns amigos… Afinal, uma vida a dois precisava ser construída e, para isso, era preciso que abrissem mão de algumas coisas. Folheou seu velho exemplar de Criatividade em Propaganda, que ganhou no seu primeiro estágio. Com o seu primeiro salário comprou sua maquina fotográfica, Que estava guardada  na parte de cima do armário junto com várias fotos que por ele foram tiradas. Fechou os olhos com força. Conteve toda sua raiva, frustração e a enorme vontade de chorar. E sentou-se na poltrona que ficava próxima ao abajur, que de tão velha e sem uso, se rasgou.  Permaneceu sentado encarando a foto da estante por tanto tempo que não viu que anoiteceu.
Tantas lembranças, tantos esforços, tanta coisa abandonada, tantas palavras mal compreendidas… Um riso triste tomou conta do seu rosto, um vento frio entrava pela janela que ele havia aberto sem perceber, enquanto os últimos quinze anos da sua vida passavam na sua frente. E num ímpeto, para fugir da morte que lhe sorria no escurou, ligou a tv, tão antiga que ainda era daquelas de tubo.
Não prestou atenção no programa que passava no meio de tanto chiado da televisão, mas se pegou pensando numa conversa que havia tido logo depois que se casou, um diálogo que vez por outra se repetia:
- Esta na hora da gente vender o apartamento de botafogo. Com o dinheiro dele e desse podemos mudar pra um maior, preciso de mais espaço pras minhas coisas.
- Não dá…
- Como assim não dá? Dá e já passou da hora! Não sei pra que manter aquilo.
- Tenho muita coisa lá…
- Joga fora, mania de guarda coisa velha e inútil
- …
- Você me ouviu? Vou colocar um anúncio nesse domingo no jornal.
-Já disse que não… E não quero falar mais nisso.


No fundo era como se ele soubesse que voltaria para lá. O velho apartamento, presente do seu avô quando ele começou a universidade, um lugar cheio de histórias, o inicio e o fim de uma vida… Uma porta fechada por 15 anos, que tornou a se abrir. A morte continuava sorrindo no canto da sala, enquanto Olavo sorria, um riso de desdém. 

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A segunda premonição

         O coruja começou com a ideia de ter três colaboradores, mas um deles, no linguajar rebuscado, cagou para a obrigação e o prazer que há em escrever. Foram meses de procura, semanas que ficaram sem postagens, até que nós finalmente a encontramos. Não se assuste com a idade, nem saia por aí achando que ela fofinha... 

         Sem mais enrolação, justificativas ou puxação de saco, eis a menina prodígio:

Lara Rapozo: Estudante, ainda no Ensino Médio, não tive a oportunidade de assustar meus pais dizendo que farei o curso de Letras. Gosto de histórias de detetives... e detetives. Também, costumo dizer que não dá para se cansar de ler.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

A Máquina do Tempo

“Eu vivi uma vida sem arrependimentos” disse eu a minha neta Christine, ela me olhou da porta do quarto, apagou a luz e me desejou boa noite. A escuridão tomou conta do ambiente, a única coisa visível são os números vermelhos do relógio digital na minha cabeceira, que nesse momento marcam dez e vinte, foi um dia tão cansativo que estou me dando ao luxo de ir dormir essa hora.

Eu fecho os meus olhos e enxergo o paraíso, estou no controle do sonho, vejo as belezas do  Monte Fitzroy e a mais bela vista que eu poderia ter, o rosto de Suzane ao meu lado...minha Suzane, meu amor...e por alguma razão, não estou mais controlando nada e perco a noção da realidade por mais irreal que possa parecer, a ciência diz que é impossível viajar no tempo, eu discordo totalmente disso, minha mente é minha máquina do tempo, eu começo a sonhar memórias maravilhosas com Suzane, se eu pudesse me ver dormindo, diria que estou sorrindo agora. Então, minha máquina do tempo me leva para uma última viagem, até aquele barzinho perto da faculdade, onde todo mundo se reúne para aquela social, eu já havia observado ela e seus cabelos ruivos a muito tempo, mas nunca tive coragem de dizer um “oi”, por que a máquina me trouxe aqui? Por que esse foi o dia do “oi”.

Meu despertador não toca, sou acordado pelo doce som da voz de minha filha, Daiana, então olho para ela, e vendo a felicidade no meu rosto ela me pergunta o por que daquele sorriso, eu simplesmente digo:

- Eu vivi uma vida sem arrependimentos.