sábado, 21 de fevereiro de 2015

MOFO DA VIDA


O cheiro de mofo havia tomado o seu velho apartamento, a poeira cobria não só o chão, como, também, os móveis. Os livros, que não pôde levar para nova casa, estavam ainda empilhados em cima da mesa da sala, também cobertos de poeira e amarelados pelo tempo, os que estavam no topo tinham suas capas desbotadas. Tudo isso Olavo observou da porta, sem nem ao menos colocar um pé dentro de seu antigo logradouro de solteiro.
Quando finalmente entrou, empurrou a porta com todo cuidado para que ela não rangesse ao ser fechada e assim não chamasse a atenção de Dona Clementina, a vizinha do apartamento ao lado. Se ela ainda fosse sua vizinha, ele sabia que, como de costume, ela tentaria xeretar sobre sua vida. Apoiou sua bolsa perto da porta e percorreu vagarosamente todo apartamento, não sabendo diferenciar se estava acordado ou em um sonho, seus passos deixavam pegadas na poeira que cobria o chão. Parou na cozinha tomou um longo copo d’água e retornou para sala.
A primeira coisa que avistou em sua estante foi o retrato antigo dele e da sua mulher, tão desbotado que não dava mais para ver o sorriso do casal na foto. Sorriu, um leve sorriso irônico, quando pensou que uma foto velha podia ter muita razão … Apoiou o retrato no mesmo lugar, não queria alterar qualquer coisa no cenário do seu velho apartamento, além das pegadas deixadas. Não queria sair daquele transe.
Passou o dedo em cima de alguns livros que estavam na mesa, e percebeu que a maioria dos livros deixados para trás foram adquiridos na época da faculdade. Amanda detestava a profissão que ele havia escolhido e obrigou-o a deixar os livros… Não só os livros, ele abdicou de diversos sonhos, projetos, até mesmo alguns amigos… Afinal, uma vida a dois precisava ser construída e, para isso, era preciso que abrissem mão de algumas coisas. Folheou seu velho exemplar de Criatividade em Propaganda, que ganhou no seu primeiro estágio. Com o seu primeiro salário comprou sua maquina fotográfica, Que estava guardada  na parte de cima do armário junto com várias fotos que por ele foram tiradas. Fechou os olhos com força. Conteve toda sua raiva, frustração e a enorme vontade de chorar. E sentou-se na poltrona que ficava próxima ao abajur, que de tão velha e sem uso, se rasgou.  Permaneceu sentado encarando a foto da estante por tanto tempo que não viu que anoiteceu.
Tantas lembranças, tantos esforços, tanta coisa abandonada, tantas palavras mal compreendidas… Um riso triste tomou conta do seu rosto, um vento frio entrava pela janela que ele havia aberto sem perceber, enquanto os últimos quinze anos da sua vida passavam na sua frente. E num ímpeto, para fugir da morte que lhe sorria no escurou, ligou a tv, tão antiga que ainda era daquelas de tubo.
Não prestou atenção no programa que passava no meio de tanto chiado da televisão, mas se pegou pensando numa conversa que havia tido logo depois que se casou, um diálogo que vez por outra se repetia:
- Esta na hora da gente vender o apartamento de botafogo. Com o dinheiro dele e desse podemos mudar pra um maior, preciso de mais espaço pras minhas coisas.
- Não dá…
- Como assim não dá? Dá e já passou da hora! Não sei pra que manter aquilo.
- Tenho muita coisa lá…
- Joga fora, mania de guarda coisa velha e inútil
- …
- Você me ouviu? Vou colocar um anúncio nesse domingo no jornal.
-Já disse que não… E não quero falar mais nisso.


No fundo era como se ele soubesse que voltaria para lá. O velho apartamento, presente do seu avô quando ele começou a universidade, um lugar cheio de histórias, o inicio e o fim de uma vida… Uma porta fechada por 15 anos, que tornou a se abrir. A morte continuava sorrindo no canto da sala, enquanto Olavo sorria, um riso de desdém. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário