sábado, 23 de maio de 2015

Paranóia

Baseado na minha própria irracionalidade à noite.

"Eu não sou paranoica!"
"Ah, Carla, por favor, você não anda sozinha, tem medo da própria sombra." 
"Por que eu teria medo da minha sombra?!"
"É uma expressão, Carla, uma expressão."
"Eu não sou paranoica, é só um medo básico, instinto de sobrevivência, Pedro."
"Tá bom, quatro olhos, tá bom."
Uma menina de cabelos loiro escuro até o ombro, um semblante indiferente e um modo de andar engraçado apertava o passo na calçada para conseguir chegar ao trabalho o mais rápido possível. Não era mais dia útil, ela não deveria estar indo, porém não era possível esperar até segunda feira para ter seu celular - que ela esquecera estupidamente em cima da mesa do seu escritório mais cedo naquele dia - de volta. Sua vida dependia daquele mísero aparelho que custara mais do que o notebook que ela tem em casa.
Mas, às 20h da noite num sábado, quando a temperatura não estava tão agradável — 20º? Do jeito que a moça agarrava-se ao seu casaco, estava mais para -5º. — e as ruas estavam mais quietas que de costume, talvez seria melhor dar meia volta e esperar, mesmo que o escritório fosse só três ruas à frente. Talvez o celular não fosse tão importante assim.
Ah, tarde demais agora, estava mais próxima do escritório do que de sua confortável - e quente - casa. 
Melhor terminar a missão logo de uma vez. Mesmo que ela tenha de esfregar as mãos para manter-se aquecida e o ar que saía da sua boca esteja visível. Mesmo que houvesse a possibilidade dela ser brutalmente morta.
...Mórbido.
Não havia muito barulho pela rua, ela não morava em uma cidade movimentada, e os passos que dava com sua bota estavam ecoando pela noite e um firme Tack Plock, deixando a moça um pouco mais alarmada do que de costume.
Tack Plock
Tack Plock
Tack Plack
O som muda, pois juntou-se a outro. O som de outro sapato pisando no chão frio, o som de outro salto colidindo com a calçada. Alguém andando a poucos passos atrás dela. E andando em uma rapidez um pouco maior que a dela. Ela aperta o passo.
Seu escritório, pensa, está a apenas poucos metros, não há motivo para ter medo. Exceto se ele for me assaltar e decidir que é melhor não haver nenhuma testemunha.
Tack Plack
Tock Plack
Tack Plock.
Ela está de frente para a porta, tudo que precisa fazer é girar a chave. Suas mãos suam, seu bolso parece mais fundo do que de costume. Não consegue achar o chaveiro que tinha certeza de ter pego da mesa da sala.
Tock Plack.
Tock Plack.
Ela paralisa, segundos depois de perceber que não trouxera a chave. O som ecoa do seu lado.
Ela prende a respiração. Uma sombra sobre si parece estar completamente em controle da situação, seja lá de quem for.
"Carla?" Uma voz familiar fala mais alto do que necessário. "Eu te chamei umas setes vezes enquanto corria atrás de você, você deixou a chave do escritório em cima do rack da sala. Tive que vir atrás de você nesse frio absurdo. Você já é cega com esse óculos aí, tá ficando surda também?"
Piscando, ela vira para dar de cara com o irmão mais velho, Pedro, que segurava um chaveiro desgasto em frente do rosto.
"Você achou que tinha um assaltante ou assassino te seguindo, não achou?"
Ok, talvez a paranóia dela tivesse aumentado só um pouquinho.

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